Territórios populares + Ocupações, remoções, despejos, resistências

Programas que fazem parte da atual Política Municipal de Habitação da Prefeitura de Belo Horizonte (PMH/PBH), realizada pela Urbel,  indicados e definidos da seguinte forma pelo Executivo municipal:

Programas da Política Municipal de Habitação da Prefeitura de Belo Horizonte

Às remoções previstas nos programas acima se somam as provenientes de intervenções urbanas de caráter estruturante que, em grande medida, afetam diretamente territórios populares, vilas, favelas e ocupações. Além da implantação de obras públicas, as remoções também podem ser motivadas por situações de risco geológico-geotécnico e localização em áreas não consolidáveis (faixas de domínio, áreas inundáveis etc.). Em levantamento de dados de 47 PGEs e PDRRs (Plano de Diretrizes de Remoção e Reassentamento), realizados entre 2000 e 2014, constata-se a predominância das remoções motivadas por implantação ou troca de sistema viário (38% do total de remoções previstas – ver Gráfico 1), visando a urbanização dos territórios ou decorrentes de obras públicas estratégicas.[1] Nota-se que as remoções motivadas pelo objetivo único de reassentamento compreendem apenas 4% do montante total.As necessidades habitacionais apontadas no Quadro 1 foram estimadas de acordo com o número de remoções necessárias “em função da execução de obras públicas de grande porte já previstas”, bem como da demanda existente por “obras de urbanização global de assentamentos de interesse social” (PBH, 2010, p.22). A Urbel propôs, em razão das informações levantadas sobre as remoções previstas e executadas em Planos Globais Específicos (PGEs) e pelo Programa Vila Viva (PVV), um “percentual médio de remoções de 25,55% do total de domicílios de cada assentamento” (PBH, 2010, p.215). Aplicando-se este percentual ao número total de domicílios existentes no universo de atendimento da URBEL, à época do PLHIS, chegou-se a um resultado de 33.629 domicílios a serem removidos. Além destes, estimaram-se 1.008 domicílios localizados em possíveis áreas inundáveis, 1.561 domicílios em áreas de obras viárias estruturantes e 767 domicílios em áreas de obras de urbanização, totalizando 3.336 domicílios a serem removidos nos loteamentos privados irregulares e ocupações organizadas (PBH, 2010, p.241).

Gráfico 1: Motivos das remoções nos territórios analisados, entre 2000-2014

Observa-se também que foram projetadas remoções de, em média, 21,3% das famílias nos territórios afetados, somando um total de 10.981 atendimentos (ver Gráfico 2). Ainda que inferior à média supracitada estabelecida no PLHIS (PBH, 2010), trata-se de número bastante expressivo que, além de deixar grandes feridas no tecido urbano que compõe esses territórios, representa quebra de laços e redes sociais preestabelecidas.

Gráfico 2: Proporção de domicílios com previsão de remoção em relação ao total de domicílios existentes nos territórios analisados

A PMH/PBH prevê três alternativas para as famílias removidas: (i) o Programa de Reassentamento de Famílias Removidas por Obras Públicas ou Vitimadas por Calamidade (PROAS), (ii) o Programa Bolsa Moradia e (iii) o reassentamento em unidades habitacionais em conjuntos construídos pela prefeitura através de programas como Vila Viva, PEAR, Orçamento Participativo e PMCMV.

O PROAS atende as famílias em caso de calamidade e risco geológico e em situações nas quais estas deverão ser reassentadas para viabilizar a realização de obras públicas. Os reassentamentos são realizados por meio da aquisição de imóveis residenciais ou através de indenização pela moradia de origem. Segundo dados da Urbel (2018), durante o período de 1995 a 2017, o programa realizou 14.518 atendimentos, concedendo 11.305 indenizações e realizando reassentamentos monitorados para 3.213 famílias (ver Gráfico 3). Ou seja, das famílias atendidas pelo programa, apenas 22% foram reassentadas e 78% foram indenizadas.[2] Sabe-se que os valores das indenizações pagas são, em geral, insuficientes para o reestabelecimento dessas famílias no entorno da moradia original ou em condições semelhantes de acesso à cidade, configurando um cenário de constante dispersão para novas periferias.

Gráfico 3: Proporção entre indenizações e reassentamentos monitorados realizados pelo PROAS

Observa-se, ainda (ver Gráfico 4), que a prática de reassentamentos tem sido menos utilizada, proporcionalmente, em relação ao número de indenizações, a partir de 2004, e é cada vez menos expressiva em números gerais. Desde 2010, apenas 4,6% do total de famílias removidas foram reassentadas por meio do PROAS.

Gráfico 4: Indenizações e reassentamentos monitorados realizados através do PROAS por ano

O Programa Bolsa Moradia atende, em média, 1.745 famílias por ano (ver Gráfico 5), mantendo-as em condições ainda de instabilidade em relação ao seu local de moradia definitivo. Mesmo somando-se a média anual de unidades produzidas pela PBH (ver Gráfico 6) e o número de famílias atendidas pelo PROAS (ver Gráfico 4), tem-se um total de 1.151 famílias atendidas, número inferior à média de famílias inseridas anualmente no Programa Bolsa Moradia. Ou seja, trata-se de um sistema insustentável, que não supre a demanda habitacional criada internamente, ocasionando um crescente número de famílias mantidas na condição instável do Programa Bolsa Moradia.

Gráfico 5: Famílias atendidas pelo Bolsa Moradia mensalmente por ano

Gráfico 6: Total de UH concluídas para reassentamento por ano

O reassentamento por meio da construção de unidades habitacionais (UH) é a terceira alternativa da PMH/PBH oferecida às famílias removidas. Trata-se da produção de conjuntos habitacionais localizados dentro das próprias ou em seu entorno próximo. Cabe destacar que a maior parte dessa provisão consiste em pequenos edifícios de apartamentos de 4 ou 5 pavimentos, com unidades de 2 quartos, em geral, e, ocasionalmente, de 3 quartos. Sabe-se que as dimensões reduzidas desses apartamentos, assim como sua rígida configuração espacial e estrutural, são pouco adequadas à composição familiar e ao modo de vida tradicional das populações neles reassentadas, condições igualmente presentes no PMCMV (MORADO NASCIMENTO et al., 2015).

O principal programa de construção de novas unidades para reassentamento é o programa de intervenção estrutural em assentamentos precários Vila Viva, apresentado como uma ação integrada de urbanização, desenvolvimento social e regularização dos assentamentos existentes, geralmente implantado em ação coordenada com outros programas. Segundo a Urbel (PBH, 2018), seus objetivos são reduzir a parcela do déficit habitacional, melhorar e recuperar o estoque de moradias já existentes, através da reestruturação física e ambiental dos assentamentos, e promover o desenvolvimento e melhoria das condições de vida da população. No entanto, chama a atenção que em 12 intervenções do Programa Vila Viva, nas quais foram realizados 12.371 atendimentos para remoções, sendo cerca de 92% destes em domicílios residenciais, apenas 5.732 unidades habitacionais foram construídas e 784 estão em fase de conclusão (total de 6.516 unidades), o que corresponde, neste momento, a somente 57,25% das famílias afetadas pelo programa (ver Gráfico 7).[3] O restante recebeu atendimento por meio do PROAS, indenização ou reassentamento monitorado.

O Programa Vila Viva foi ainda alvo de questionamentos do Ministério Público Federal (MPF) quanto à sua execução. Por exemplo, moradores do Aglomerado da Serra, região Centro-Sul de Belo Horizonte, afetados pelas obras, afirmam que foram pressionados a deixar suas casas por técnicos da PBH, que inclusive teriam colocado maquinário da prefeitura na frente das casas antes mesmo do fim do prazo para que saíssem do local (GUSSEN, 2013).

Gráfico 7: Proporção de remoções e unidades produzidas pelo Programa Vila Viva até 2016

Finalmente, os esforços mais recentes para o combate ao déficit habitacional foram nacionalmente concentrados na produção de novas moradias, por meio do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), subsidiado pelo governo federal. Em Belo Horizonte, na primeira fase do programa concorreram 206.542 famílias para 1.470 vagas, enquanto na segunda fase concorreram 117.734 famílias para 1.709 vagas. De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), foram entregues, até o momento, 4.679 unidades pelo PMCMV para famílias com renda de até R$ 1.800,00. [4] Além dos diversos problemas observados nessa produção, entre eles, a inserção urbana das unidades produzidas, a incapacidade de atendimento adequado a composições familiares diversas e a pobre relação dos conjuntos com seu entorno, o número de novas unidades foi também quantitativamente pouco significativo em Belo Horizonte (PRAXIS-EA/UFMG, 2014).

A partir dos dados apresentados, é possível ponderar que a PMH/PBH não tem como principal foco a redução do déficit habitacional, ainda que o mesmo sirva de justificativa para sua implementação, uma vez que o reassentamento e a produção de novas moradias são objetivos secundários se comparados à prioridade da implantação de sistema viário e da liberação de áreas de risco e de preservação ambiental, independentemente do novo déficit gerado por estas obras. Entretanto, não se pode negar as ações integradas de urbanização, desenvolvimento social e regularização fundiária dos programas municipais que, em grande medida, trouxeram inequívocas melhorias da vida urbana.

 

 

[1] Em entrevista, a Urbel ressaltou que a predominância do motivo sistema viário se dá em razão de as principais obras terem sido realizadas em grandes territórios que demandavam interferências estruturantes para melhoria da acessibilidade. Essa porcentagem estaria reduzida se fossem incorporadas as intervenções em territórios menores, cujos PGEs ainda não foram completamente implementados (MAGALHÃES, 2018).

[2] As famílias não foram reassentadas necessariamente no mesmo território; esses dados não foram disponibilizados pela Urbel.

[3] Em entrevista, a Urbel afirmou que, segundo dados do acompanhamento social do Programa Vila Viva Aglomerado da Serra, cerca de 75% da população afetada pelo programa permaneceu no mesmo território ou próximo a ele. Portanto, 25% foram deslocados para outros territórios em Belo Horizonte ou na Região Metropolitana. Os programas Vila Viva Morro das Pedras, Santa Lúcia e São Tomás/Aeroporto encontram-se ainda em curso, ou seja, ainda serão realizadas novas remoções e novas unidades habitacionais ainda serão construídas (MAGALHÃES, 2018).

[4] Dados da Prefeitura de Belo Horizonte, disponíveis em: <https://prefeitura.pbh.gov.br/urbel/minha-casa-minha-vida>. Acesso em: 04 set. 2018.