As estratégias projetuais foram registradas em imagens e desenhos, calçadas pela premissa de uma moradia flexível, segura e ambientalmente adequada, organizadas e analisadas sob quatro atributos – Camada, Processo, Circunstância e Avaliação:
CAMADA
a que camada pertence a estratégia e se suporte ou recheio
PROCESSO
de que modo a estratégia é acionada
CIRCUNSTÂNCIA
a questão ou situação que o morador enfrenta
AVALIAÇÃO
aspectos a serem considerados ao acionar a estratégia
As informações são também organizadas de acordo com a Teoria de Suportes (Habraken, 2011 [1972]) e a proposta das Camadas de Mudança (Brand, 1994).
A TEORIA DE SUPORTES
O debate iniciado na Holanda nos anos 1960 pelo arquiteto John Habraken é uma das principais referências teóricas da nossa proposta. Contrário à generalização das demandas individuais impostas pela produção em massa, Habraken (2011 [1972]) propõe que os processos de projeto e construção da moradia contemplem dois momentos de decisão: coletiva (support – suporte) e individual (infill – recheio), conformando a Teoria de Suportes (posteriormente, premissa do movimento Open Building – Arquitetura Aberta). Assim, se numa abordagem tradicional – uniformizada – a estrutura disponibilizada pode ser excessiva ou insuficiente para as necessidades existentes, o arquiteto sugere a conformação de um suporte de alta qualidade cujas diferentes necessidades podem se acomodar adequadamente ao longo do tempo. Os diagramas a seguir ilustram esse comparativo:
O suporte normalmente contempla a estrutura primária do edifício, o fechamento do edifício (fachada e cobertura) no todo ou em parte, as circulações públicas e saídas de incêndio (halls, corredores, elevadores e escadas públicas), os sistemas primários mecânicos e de infraestrutura (eletricidade, aquecimento e ar-condicionado, telefonia, água, drenagem, gás etc.) finalizadas até o ponto de contato com os espaços individuais da ocupação. O recheio incorpora todos os componentes, subsistemas e acabamentos, em conjunção com o projeto e a obra, custo e logística exigidos para completar o trabalho de finalização do suporte.
AS CAMADAS
A proposta de Brand (1994), por sua vez, entende que os edifícios evoluem ao longo do tempo e se adaptam às necessidades de seus moradores. Brand expande o conceito de shearing layers, elaborado pelo arquiteto Frank Duffy, e o adapta como shearing layers of change, visando explicar como os edifícios funcionam: (i) terreno (site): o cenário geográfico, a localização urbana, o lote, que permanecem inalterados; (ii) estrutura (structure): o ‘esqueleto’ da casa, incluindo a fundação e os elementos de sustentação; (iii) pele (skin): a parte externa do edifício, relacionada ao isolamento, segurança e proteção, e, em grande medida, à estética; (iv) serviços (services): os elementos que permitem o funcionamento do edifício, como instalações hidráulicas, elétricas, aquecimento, ar-condicionado, além de escadas rolantes e elevadores; (v) espaço (space plan): layout interno, predes não estruturais e elementos como forros e aberturas; e, (vi) mobiliário (stuff): móveis e equipamentos, que estão em constante modificação de acordo com as necessidades dos moradores.
ARTICULAÇÃO SUPORTE + RECHEIO + CAMADAS
Tanto Habraken quando Brand destacam a importância da flexibilidade e da adaptabilidade como pressupostos de projeto, argumentando que os edifícios inevitavelmente precisam se ajustar às mudanças, de qualquer natureza, ao longo do tempo. Por exemplo, um edifício pode ser projetado e construído com uma estrutura durável que permanecerá a mesma por muitas décadas, enquanto seu interior pode ser facilmente reconfigurado para atender a novas necessidades dos moradores. Com essas abordagens, aumenta-se a probabilidade de os edifícios permanecerem úteis e funcionais por um período mais longo.
As casas [auto]construídas tendem a passar por mudanças mais significativas do que outros tipos de edifícios. O processo de tomada de decisões dos moradores depende das estruturas presentes, evidenciando respostas e práticas construtivas que melhor se ajustam ao que enfrentam e às suas necessidades.
Retornando às teorias estudadas e com base nas percepções durante as visitas às moradias [auto]construídas, entendemos que os elementos de terreno, estrutura, pele e serviços tendem a ser mais permanentes na construção e, assim, compõem o suporte, ao passo em que os elementos de espaço e mobiliário/objetos compõem o recheio, por mudarem com maior frequência.
SUPORTE
Terreno
Estrutura
Pele
Serviços
RECHEIO
Espaço
Mobiliários/objetos
O PROCESSO DE REPRESENTAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS
Destacamos a proposta de utilizar uma linguagem gráfica distinta da técnica e codificada, própria da prática arquitetônica, evitando o uso de desenhos normatizados e convencionais, ou excessivamente simplificados e infantilizados, frequentemente encontrados em manuais de [auto]construção publicados, principalmente, nos anos 1980.
Assim, para cada atributo foi estabelecido um padrão, seja de pictogramas (avaliação), croqui (processo), fotografia com textura sobreposta (circunstância) ou sobreposição de cor (camada). Todas essas representações são colocadas como camadas sobre a fotografia original da estratégia, visando representá-la em sua multiplicidade.
Resultados do eixo “Arquitetura-Suporte”, integrante da pesquisa “Outra lógica da prática para moradia e cidade: o direito de existir” – Chamada CNPq/MCTI n. 10/2023, coordenada pela Profa. Denise Morado. * Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (Plataforma Brasil).